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Janira Sodré avalia período que coordenou o programa Proafro
Por: Shisleny Gomes
Durante sete anos Janira Miranda Sodré, coordenou o Programa de Estudos e Extensão Afro-Brasileiro (Proafro), nesse tempo muitos trabalhos importantes foram desenvolvidos como pesquisas, teses, dissertações e TCC. Nesta entrevista Janira também fala da Rede Goiana de Mulheres Negras e da luta das mulheres na sociedade. 

Como foi seu trabalho na coordenação do Proafro?

O Proafro é um programa permanente de estudos de extensão da PUC Goiás fundado em 1983. É a unidade mais antiga que trabalha com a questão étnica racial e enfrentamento ao racismo no estado. O programa tem a sua história ligada à instituição e também uma conexão com as transformações sociais e as demandas da sociedade civil organizada.

Entre 2010 e 2017 tivemos muitos avanços. O Proafro estruturou no contexto coletivo dos estudantes, numa plataforma de afirmação identitária dos jovens negros aqui (da universidade). A estruturação do Programa Universidade para Todos possibilitou a participação de estudantes da escola pública e com o recorte étnico também. Um dos desafios é permitir que essa comunidade cumpra percursos acadêmicos, chegue ao término, não seja vitimada por falta de condições materiais, seja pela falta de condição simbólica de se afirmar como pessoa de igual direito. O papel importante do coletivo de estudantes foi de visibilizar, afirmar e retirar a vergonha para trazer o orgulho da afirmação de uma identidade discente.

Além disso, criamos um núcleo de estudos africanos e afro brasileiros, dentro do Proafro, que está articulado com o Consórcio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (Neabs). Tivemos projetos de pesquisa, ensino, afirmação discente. Para cada atividade houve uma série de eventos e ações, exposições, como da Fundação Oswaldo Cruz, que trouxe para o museu a exposição de arte africana, oriunda de várias partes do continente. Também um projeto afro com professores da rede pública do estado e município em Goiânia, chamado A Cor da Cultura.

Durante esses anos à frente do Proafro nasceu o Juventude Viva, foi o enfrentamento da polícia no genocídio da juventude negra. Várias pesquisas mostraram que de cada 100 jovens mortos no Brasil, 93 eram do sexo masculino e negros, moradores da periferia e regiões metropolitanas. Esse foi um debate recente e presente enquanto coordenei o programa.

 

Fale dessas pesquisas realizadas pelo Proafro.

Uma delas foi racismo ambiental, que identificava as territorialidades negras e o fato da ocupação de espaços de moradia urbanísticos da comunidade negra como espaços de vulnerabilidades. Essa pesquisa consolidou bons resultados e foi um projeto importante que durou quatro anos. O segundo foi a história das mulheres negras em Goiás, Trajetórias e Ativismo, que tinha uma relação com biografias de mulheres, mas também com a inserção dessas mulheres líderes na organização do movimento social. Houve mais pesquisas, teses, dissertação, TCC. Mas essas foram de destaque.

 

Você faz parte de algum movimento negro? Qual?

Faço parte da Rede Goiana de Mulheres Negras, é uma recomposição do Fórum de Mulheres Negras e um resultado político da Marcha de Mulheres Negras de 2015. Algumas marchas têm sido importante para o movimento de mulheres negras e garantiram avanços. A marcha 2015 foi um momento de sinalização de organização de mulheres negras, mas também de um entendimento que é nosso hoje. Por isso estamos construindo a Rede Goiana de Mulheres Negras, a gente precisa estar organizada e mobilizada politicamente para que não tenhamos retrocessos enormes.

A Rede Goiana tem quanto tempo?

A inauguração foi em abril, mas ela é uma recomposição do Fórum Estadual de Mulheres Negras, é uma recomposição das três ONG´s que lidam com mulheres negras e são organizadas aqui em Goiás, o Centro Cultural Lélia Gonzales, em homenagem a uma grande intelectual e a mulheres na República, a ONG Malunga, que lida com a saúde da mulher negra e a ONG de Mulheres Negras Dandara do Cerrado. Também é a composição de setoriais negros, como de sindicatos e universidades que trabalham com o negro, além dos quilombolas e das mulheres de terreiro.

 

A Rede Goiana reúne uma pluralidade de quilombolas, líderes importantes de uma luta. O território quilombola está na Constituição, mas não está no Estatuto da Igualdade Racial, isso ainda é uma luta, é uma luta nossa que está sendo ameaçado.  E a outra que está garantida na Constituição e não nas relações raciais do Brasil são as mulheres de terreiro. A intolerância religiosa e o racismo religioso têm sido constantes, o ataque em territórios religiosos adensados da presença africana. Estamos lidando com duas coisas básicas que são identidade cultural, soberania territorial (quilombola) e liberdade religiosa que, do ponto de vista constitucional, é correlata à liberdade de consciência e liberdade de expressão. Quando falamos de liberdade religiosa estamos falando de todas as liberdades de expressão. Se você não é livre para cultuar o que a sua consciência pede, não é mais livre para se expressar. Você já não é mais livre para pensar, porque você tem que esconder a sua religião. Se eu não posso cultuar, eu não posso dizer quem eu sou, no que eu penso, no que acredito, então eu estou poupada da minha liberdade, que está na Constituição, mas não está!

Apesar de todas as dificuldades enfrentadas pelas mulheres negras, quais são as conquistas?

Mesmo nas condições adversas que a população africana veio pra cá, é uma vitória estarmos aqui e sermos 54% da população brasileira, toda a honra pelos nossos ancestrais vencidos pela escravidão. O século XIX foi um século de luta para branquear o Brasil. Trouxeram pessoas de fora e incentivaram os casamentos mistos, oferecendo tecnologias para a negação da sociedade afrodescendente. Foram políticas de estado. Em 1930 houve o elogio da mestiçagem. Em vez do Brasil branquear, ele pardizou. De 1970 pra cá tem tido uma auto afirmação da identidade negra constante até chegarmos a 54% de negros com pele escura e pardos. Eu diria que temos a vitória de existir, resistir, simplesmente estar. O interessante é que a África com as etnias que vieram pra cá fecundaram uma civilização muito específica do singular. É impossível pensar o Brasil sem a população negra. Mas é uma vitória termos vivido, nos constituído como maioria populacional e de estarmos aqui organizando a luta e resistência do Quilombo de Palmares até o presente. Uma luta constante, por uma resistência, dignidade humana e qualidade. Não pode haver uma honra maior em existir e pertencer um povo que existiu e existe, sim.  Para mim é impossível não estar neste lugar com o sentido da grandeza. Chamo isso de orgulho de pertencer. A geração tombamento diz uma coisa básica “tira o seu racismo da minha frente que quero passar com a minha cor”. Ou #aceitaquedoi menos.

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